Sobre Figos


Eu tenho poucas lembranças nítidas da minha primeira infância, aquela que vai até os seis anos de idade, mais ou menos. Um dias desses me lembrei dos figos.
Quando eu tinha pouco mais de cinco anos, minha avó passou uns dias com a gente em casa. Foi quando minha irmã mais nova nasceu, a Tatiana. Naqueles dias ninguém ia imaginar que ela passaria apenas pouco mais de um ano com a gente.
Bem, minha avó sempre gostou muito de figos e naquela semana uma caixa estava lá em casa, esperando por ela. Lembro de ter feito cara feia algumas vezes, enquanto ela comia uma das frutas. Minha vó calmamente me perguntou: já provou?
Eu nunca tinha provado, certamente achava a fruta muito estranha, hoje acho até bonitinha. Peguei um pedacinho da mão da minha avó e gostei. Escondida, à noite, devorei a caixa toda.
Minha avó conta essa história até hoje, talvez seja daí que venha a memória viva deste episódio. Os figos, no fim, ficaram associados à vó, a única que conheci, já que os avôs e minha avó paterna morreram antes de eu nascer, ou quando eu era um bebê ainda.
Na casa da vó tinha uma figueira que podia ser vista da janela da sala, onde ela faz o seu crochê todos os dias, os biquinhos de pano de prato que ela distribui para a família toda. A figueira tinha um cheiro que invadia toda a casa, era um aroma que sempre me lembrou a infância. Era um cheiro aconchegante, que me remetia ao tempo em que a vó fazia conservas de figo, que a gente comia com queijo fresco comprado no mercado municipal de Montes Claros e acompanhado daquele café ralo e doce que eu só achava gostoso quando estava ali.
Um dia eu cheguei na casa da minha vó e a figueira não estava mais lá. Ela me disse alguma coisa sobre as raízes na estrutura da casa, ou do muro da frente, não lembro bem. Fiquei triste, algo aconchegante tinha partido. Percebi ali que muito do que me confortava até aquele ponto da minha vida iria sumir, como a figueira.

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