Outono Brasileiro
Anotações sobre as manifestações:
- A grande dificuldade da geração organizada em partidos e movimentos é entender como isso é possível sem eles. Essa nova geração começa a ensinar.
Minha geração tem falado sobre o "jeito certo" de se manifestar politicamente. Que é preciso ter bandeiras claras. Que é preciso ter lideranças. Envelhecemos, ponto. Agora são os mais novos que vão dizer como as coisas vão ser e temos que ver isso com bons olhos, afinal de contas nossos métodos nos deixaram exatamente no ponto em que estamos.
Acho arrogante as pessoas mais velhas tentando encaixar os manifestantes de hoje em modelos do passado. Isso que está acontecendo agora é muito diferente das manifestações organizadas por partidos e sindicatos. A consciência política é outra e plural num nível inimaginável antes. Precisamos prestar atenção nisso ou corremos o risco de ser atropelados pela história.
Isso equivale ao que eu vivi, quando estava no ensino médio, aquele tempo logo após o fim da ditadura. Meus professores, ex-guerrilheiros (como a presidente) e ativistas perseguidos pelo regime nos chamavam de alienados simplesmente porque não passamos pelo que eles passaram. Lembro que um dia fiz um tremendo discurso num evento da escola para contradizer uma professora sobre sermos subjugados e submetidos a essa visão de inferiores que eles tinham da gente e que estávamos querendo um mundo melhor pós-regime de exceção. Agora vejo meus contemporâneos fazendo o mesmo que aqueles professores com essa geração. Sejamos generosos e humildes, não somos essa coca-cola toda.
- Quem vai assumir o controle do movimento? Estão inventando bandeiras para esses movimentos, lideranças (que podem ser misteriosas ou mercenárias) e por aí vai. Na real, está todo mundo perdido e querendo fazer análises profundas, ou descobrir teorias conspiratórias. Só uma coisa está clara: as antigas formas de representação não representam mais. Nesse bolo da descrença na representação entram mídia, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais institucionalizados e o que pareça com isso. Vamos estudar Occupy, Inconformados, Primavera Árabe, Geração à Rasca antes de entrarmos em pânico.
Essa nova geração se organiza à parte do estado. Coletivos, autofinancimento, autogestão, propiciam a criação de circuito de editoras, festivais, selos de música, difusão de audiovisual, de estudos acadêmicos, pesquisas, todos fora das instituições convencionais e, boa parte das vezes, sem registro nenhum, apenas a página na internet.
- O que eu vi na manifestação de sábado passado (15/6) em Brasília: um grande número de manifestantes com camiseta de banda, super herói, desenho animado. Tinha até cosplay do Finn (que eu adoro). Quem estava com camiseta de partido político ou movimento era tratado com algum desdém. Não ouvi gritos de guerra veementes para bandeiras específicas, apenas a luta por melhores serviços públicos, saúde e educação mais, e, principalmente, contra a violência da polícia, ou seja, das autoridades, contra a própria manifestação. Para mim isso é algo muito importante, porque nos acostumamos com professores sendo atropelados por cavalos, índios levando bala na cara, agricultores sendo espancados e chamamos isso de democracia. Aparentemente demos um basta (temporário?) a esse cala a boca cotidiano que levamos das autoridades.
Daonde veio essa autoestima toda? Por incrível que pareça, acredito que seja fruto do bolsa-família (!). Aquele programa que (acho que até o partido governista achou isso) seria usado para sempre como uma política populista vinda do "pai dos pobres". Vou deixar claro, acho que contra a fome qualquer ação é URGENTE. Mas essa ser a única melhoria no país sempre achei temeroso. Só que daí o que se achou que seria visto como um presente dos governantes foi assimilado como DIREITO e se passou a exigir mais, claro (muito interessante a análise desse jornalista no LA Times). Por que só para alguns o tudo de bom? Parabéns ao bolsa família pela graça alcançada, de coração (apesar de não achar que era essa a intenção de quem o pôs em prática).
...
Recomendo para tirar o nó da cabeça:
Conferências do Fórum Senado 2012 - Democracia em tempo de mutações
Em especial a palestra de Frédéric Gros - Introdução às ciberdemocracias : elementos para uma antropologia do Homo connecticus (aqui com tradução em português)
Livro Occupy, da Boitempo
Aqui um texto de Noam Chomsky que iria entrar no livro, mas só rolou no blog: Ocupar o futuro
- A grande dificuldade da geração organizada em partidos e movimentos é entender como isso é possível sem eles. Essa nova geração começa a ensinar.
Minha geração tem falado sobre o "jeito certo" de se manifestar politicamente. Que é preciso ter bandeiras claras. Que é preciso ter lideranças. Envelhecemos, ponto. Agora são os mais novos que vão dizer como as coisas vão ser e temos que ver isso com bons olhos, afinal de contas nossos métodos nos deixaram exatamente no ponto em que estamos.
Acho arrogante as pessoas mais velhas tentando encaixar os manifestantes de hoje em modelos do passado. Isso que está acontecendo agora é muito diferente das manifestações organizadas por partidos e sindicatos. A consciência política é outra e plural num nível inimaginável antes. Precisamos prestar atenção nisso ou corremos o risco de ser atropelados pela história.
Isso equivale ao que eu vivi, quando estava no ensino médio, aquele tempo logo após o fim da ditadura. Meus professores, ex-guerrilheiros (como a presidente) e ativistas perseguidos pelo regime nos chamavam de alienados simplesmente porque não passamos pelo que eles passaram. Lembro que um dia fiz um tremendo discurso num evento da escola para contradizer uma professora sobre sermos subjugados e submetidos a essa visão de inferiores que eles tinham da gente e que estávamos querendo um mundo melhor pós-regime de exceção. Agora vejo meus contemporâneos fazendo o mesmo que aqueles professores com essa geração. Sejamos generosos e humildes, não somos essa coca-cola toda.
- Quem vai assumir o controle do movimento? Estão inventando bandeiras para esses movimentos, lideranças (que podem ser misteriosas ou mercenárias) e por aí vai. Na real, está todo mundo perdido e querendo fazer análises profundas, ou descobrir teorias conspiratórias. Só uma coisa está clara: as antigas formas de representação não representam mais. Nesse bolo da descrença na representação entram mídia, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais institucionalizados e o que pareça com isso. Vamos estudar Occupy, Inconformados, Primavera Árabe, Geração à Rasca antes de entrarmos em pânico.
Essa nova geração se organiza à parte do estado. Coletivos, autofinancimento, autogestão, propiciam a criação de circuito de editoras, festivais, selos de música, difusão de audiovisual, de estudos acadêmicos, pesquisas, todos fora das instituições convencionais e, boa parte das vezes, sem registro nenhum, apenas a página na internet.
- O que eu vi na manifestação de sábado passado (15/6) em Brasília: um grande número de manifestantes com camiseta de banda, super herói, desenho animado. Tinha até cosplay do Finn (que eu adoro). Quem estava com camiseta de partido político ou movimento era tratado com algum desdém. Não ouvi gritos de guerra veementes para bandeiras específicas, apenas a luta por melhores serviços públicos, saúde e educação mais, e, principalmente, contra a violência da polícia, ou seja, das autoridades, contra a própria manifestação. Para mim isso é algo muito importante, porque nos acostumamos com professores sendo atropelados por cavalos, índios levando bala na cara, agricultores sendo espancados e chamamos isso de democracia. Aparentemente demos um basta (temporário?) a esse cala a boca cotidiano que levamos das autoridades.
Daonde veio essa autoestima toda? Por incrível que pareça, acredito que seja fruto do bolsa-família (!). Aquele programa que (acho que até o partido governista achou isso) seria usado para sempre como uma política populista vinda do "pai dos pobres". Vou deixar claro, acho que contra a fome qualquer ação é URGENTE. Mas essa ser a única melhoria no país sempre achei temeroso. Só que daí o que se achou que seria visto como um presente dos governantes foi assimilado como DIREITO e se passou a exigir mais, claro (muito interessante a análise desse jornalista no LA Times). Por que só para alguns o tudo de bom? Parabéns ao bolsa família pela graça alcançada, de coração (apesar de não achar que era essa a intenção de quem o pôs em prática).
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Recomendo para tirar o nó da cabeça:
Conferências do Fórum Senado 2012 - Democracia em tempo de mutações
Em especial a palestra de Frédéric Gros - Introdução às ciberdemocracias : elementos para uma antropologia do Homo connecticus (aqui com tradução em português)
Livro Occupy, da Boitempo
Aqui um texto de Noam Chomsky que iria entrar no livro, mas só rolou no blog: Ocupar o futuro
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