Valesca Popozuda e Aracy de Almeida

Esta semana uma novela da Globo decidiu mostrar uma mulher apanhando como o grande símbolo da vingança do bem contra o mal. Simbólico num país em que, por mais que as leis de proteção avancem, a violência contra mulher continua como um dos grandes símbolos da afirmação da masculinidade para muita gente.

No final de setembro decidi ver um show da Valesca Poposuda aqui em Brasília e me apaixonei por ela. Foram muitos motivos: seu ar altivo e confiante, sua imagem marcante (sim tudo nela é muito grande, ela mesma é muito alta). Mas o que gerou impacto definitivo foi uma de suas músicas, Agora virei puta.

Lembra do clássico funk de apologia ao “tapinha”, com seu refrão “um tapinha não dói”?  Valesca decidiu fazer uma espécie de resposta, com a história de uma mulher que decide sair de seu ambiente de submissão, virar dona do próprio corpo e sentir prazer por aí. Não é isso exatamente o que reivindicam as mulheres nas edições da Marcha das Vadias que acontecem em toda a parte?

“Agora Virei Puta
Gaiola Das Popozudas

Só me dava porrada!
E partia pra farra!
Eu ficava sozinha, esperando você
Eu gritava e chorava que nem uma maluca...
Valeu muito obrigado mas agora virei puta!

se uma tapinha não dói..
eu falo pra você...
segura esse chifre quero ver tu se foder!

Eu lavava passava
tu não dava valor...
agora que eu sou puta você quer falar de amor.”

Não é uma poesia erudita, mas vai direto ao ponto e para um público que precisa muito disso.

Imediatamente lembrei de Aracy de Almeida (não chamem isso de blasfêmia, explico logo). A cantora se imortalizou com as composições de Noel Rosa, que retratavam a realidade das periferias do Rio, o mesmo ambiente de Valesca, mas no início do século passado.  

Aracy não era bem vista pela sociedade e falava de si mesma: “eu sou a maior fuleiragem que existe”. “Aracy de Almeida nunca foi bonita. Sempre com um palavrão cabeludo engatado na boca, gírias em escala industrial, não atraía muitos amantes. Já os seus principais amigos eram todos homens, como Maria, Vinicius, Fernando Lobo, Clóvis Graciano, Di Cavalcanti, Carlão Mesquita e Aldemir Martins.”, como foi dito no texto de por Alexandre B. de Souza e Leonardo S. Pradopara a Piauí.  

Além disso, cantava a dor feminina em canções que falavam dos problemas domésticos, como em Camisa Amarela:

“O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama
E não tirou nem o sapato
E roncou uma semana
Despertou mal humorado
Quis brigar comigo
Que perigo, mas não ligo!
O meu pedaço me domina
Me fascina, ele é o tal”.


É um paralelo afetivo, meu, pessoal, mas as duas se juntaram naquele momento. Duas mulheres fortes e discriminadas no seu tempo.

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