Joana

Conheci Joana não muito tempo depois de chegar em Brasília. Moradora de rua, sempre andava pelas quadras próximas à que eu moro, com sua sacola repleta de papéis e livros.

Seus cabelos longos, brancos e cacheados, sempre impecáveis e isso me intriga, porque os meus cachinhos não ficam bem em qualquer circunstância e ela se mantém tão arrumada morando na rua. Também sempre a encontrei muito limpa, ninguém diria que vivia em situação tão adversa.

Conversamos algumas vezes, rapidamente. Ela pedia coisas para comer de maneira muito direta e delicada. "Você poderia comprar este pacote de bolachas para mim?", disse uma vez no supermercado. Outra vez pediu um real para comprar algo, eu só tinha dois e ela não quis aceitar.

O nome não soube por ela, mas por uma outra pessoa que também a conhecia e acabou por me contar parte da sua história. Ela teria sido professora de piano no interior de São Paulo e veio para Brasília atrás de um grande amor, mas teve uma grande desilusão e passou a viver na rua. Como isso aconteceu, ninguém sabe ao certo.

Não era raro eu passar de ônibus e vê-la escrevendo sentada em um meio-fio, ou no meio do gramado das quadras. "Um romance policial, esses meus livros são de pesquisa para o que estou escrevendo", ela disse uma vez.

Faz uns meses, seu comportamento mudou. Começou a gritar coisas sem sentido pelas quadras e andar desnorteada pelo meio das vias.

Viajei há algumas semanas e na volta, quando, no aeroporto, falei para o taxista qual meu endereço, ele disse que tinha uma senhora enlouquecida andando nua pela rua. Imediatamente dei a descrição da Joana. "Sim, é uma senhora de cabelos brancos longos". Uma tristeza enorme.

Cheguei na quadra e ela estava andando nua, seguida por vários moradores da quadra com roupas e lençóis, pedindo para ela se cobrir. Uma experiência comunitária que eu nunca tinha visto em Brasília, motivada por ela, que ignorou por completo os apelos de todos.

Esta foi a última vez que vi Joana.

Update (em 17 de maio): Vi Joana novamente ontem. As quadras da vizinhança já podem contar novamente com o seu andar sempre solene.

18/04/11 17:21