Saudades
Sonhei que estava na Vila Guilhermina, em Montes Claros. As ruas desertas, tudo muito claro, com aquela luz branca do norte de Minas. Eu andava pela rua da minha avó, mesmo sabendo que ela não vive mais lá. Uma melancolia me batia ao descer rumo à rodoviária, acho que eu pretendia ir ao shopping, mas tudo estava fechado.
Acordei com saudades do cheiro de café sendo torrado, que eu adorava moer. Lembrei de uma árvore de caqui imensa que eu via no fundo do quintal. Devia ter uma tonelada de caquis nela, eu imaginei uma vez. Senti na memória o cheiro de figos que a figueira espalhava naquela casa toda da avó.
Eu ficava com ela na sala, tomando chá no fim da tarde, ela crochetando um pano de prato e eu de preguiça, vendo TV. Ela nunca me perguntava da vida, nem do trabalho, dos amigos e, claro, não da família, que ela sabia que era minha dor maior. Sabia, mas não falava. Falávamos dela e de mim. Do que a gente gostava e do que não gostava. De comida, roupa, calor, frio, da conta de luz, do filtro solar, da gripe, "bebe água, vó".
Ela lembrava de mim pequenininha, de coisas cotidianas, falava me achando bonitinha. Era o lugar em que eu me sentia querida por existir e pronto, não tinha outro, tudo era disputa, carência, dissimulação, violência. Ali não.
Nunca falei com ela do que doía em mim. Só queria estar num lugar em que me quisessem tranquilamente. E era assim.
O cheirinho de rapé que eu sentia quando te abraçava. Suas pernas tão fortes, que eu espantei quando apertei um tiquinho, uma vez. As risadas que a gente dava falando bestagens inocentes. Sem fofocas, maledicências. Só a gente importava.
Depois, eu te mandava presentes, algum dinheiro, que minha mãe mandava não mandar "porque ela não precisa disso". Um pacote com o protetor solar fácil de passar. Tecidos. Lembrei que eu te acarinhei um pouquinho também, enquanto consegui estar por perto. As dores que os outros me causaram levaram você de mim também, não te queria no meio de tanto lixo emocional.
Ela se foi quando meu filho chegou, pouco depois de eu saber que ele iria nascer em breve. Ele, hoje, é o lugar em que me sinto querida por existir, do jeito que eu sou. E eu não sou nada fácil, ela sabia.
Acordei com saudades do cheiro de café sendo torrado, que eu adorava moer. Lembrei de uma árvore de caqui imensa que eu via no fundo do quintal. Devia ter uma tonelada de caquis nela, eu imaginei uma vez. Senti na memória o cheiro de figos que a figueira espalhava naquela casa toda da avó.
Eu ficava com ela na sala, tomando chá no fim da tarde, ela crochetando um pano de prato e eu de preguiça, vendo TV. Ela nunca me perguntava da vida, nem do trabalho, dos amigos e, claro, não da família, que ela sabia que era minha dor maior. Sabia, mas não falava. Falávamos dela e de mim. Do que a gente gostava e do que não gostava. De comida, roupa, calor, frio, da conta de luz, do filtro solar, da gripe, "bebe água, vó".
Ela lembrava de mim pequenininha, de coisas cotidianas, falava me achando bonitinha. Era o lugar em que eu me sentia querida por existir e pronto, não tinha outro, tudo era disputa, carência, dissimulação, violência. Ali não.
Nunca falei com ela do que doía em mim. Só queria estar num lugar em que me quisessem tranquilamente. E era assim.
O cheirinho de rapé que eu sentia quando te abraçava. Suas pernas tão fortes, que eu espantei quando apertei um tiquinho, uma vez. As risadas que a gente dava falando bestagens inocentes. Sem fofocas, maledicências. Só a gente importava.
Depois, eu te mandava presentes, algum dinheiro, que minha mãe mandava não mandar "porque ela não precisa disso". Um pacote com o protetor solar fácil de passar. Tecidos. Lembrei que eu te acarinhei um pouquinho também, enquanto consegui estar por perto. As dores que os outros me causaram levaram você de mim também, não te queria no meio de tanto lixo emocional.
Ela se foi quando meu filho chegou, pouco depois de eu saber que ele iria nascer em breve. Ele, hoje, é o lugar em que me sinto querida por existir, do jeito que eu sou. E eu não sou nada fácil, ela sabia.
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