O peso dos dinheiros
"Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração."
Vladimir Maiakovski
Comecei a trabalhar com nove ou dez anos de idade. Dava aulas particulares em casa de matemática, história, acho que de português também. Minha mãe oferecia meus serviços na escola para as crianças com problemas de aprendizagem. Ela nunca me pediu ou me avisou antes ou me pagou por isso. Às vezes eram cinco alunos de uma vez e isso durou anos.
Quando completei quatorze anos, meu pai montou um bazar que vendia armarinhos e papelaria, no começo tinha roupa também. Eu era a única funcionária no início, trabalhava meio período todos os dias da semana, nunca recebi um salário ou tive férias durante mais de três anos.
Meu primeiro emprego remunerado foi como ativista da pastoral da juventude, recebia uma ajuda de custo para o trabalho de formação e organização que fazíamos. Gastava boa parte do que recebia em materiais de papelaria e coisas do tipo para o grupo.
Depois disso, fui concursada por cinco anos. Em alguns momentos, acumulei a função de até três pessoas, que tinham cargos acima do meu. Acho que recebi salário substituição uma vez só por isso. Também trabalhei num sindicato que se recusava a pagar as horas extras que eu era obrigada a fazer. E numa redação em que substituí a chefe por meio ano (acumulando com minha função) e não recebi nada extra por isso.
Tenho uma dificuldade imensa de reivindicar uma remuneração decente pelo que faço, menosprezo meu trabalho, entre outras coisas, porque fui destratada profissionalmente desde muito cedo.
Isso se reproduz em relacionamentos também, em grupos de amigos, com namorado. Eu tive um namorado que se comportava exatamente como a minha mãe, gostava de oferecer meus talentos para os amigos sem me perguntar antes. Uma vez disse que "nós faríamos" um videoclipe para uma banda, mas ele não sabia fotografar, filmar, editar, nada disso. Era meu trabalho que iria fazer aquilo acontecer. Quando estava no processo de filmagem, ouvi de dois integrantes da banda, em situações diferentes, que o fulano estava fazendo o clipe deles. Nunca consegui terminar esse vídeo, acho que foi o começo de uma mudança em mim.
Hoje sofro momentos de paralisia e pânico, com medo de não ser capaz, de não conseguir. É difícil lidar com o que foi programado tão cedo em mim e usado e abusado por tantos durante tantos anos. Mas estou indo em outra direção.
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