Síndrome da musa
"Deixemos, ó Musa,
Empresa maior;
Só posso seguir-te
Cantando de Amor"
Marília de Dirceu,
por Tomaz Antonio Gonzaga
Ser musa, esse é um desejo comum em mulheres. Assim como é comum o desejo de ser "resgatada" por um príncipe num cavalo branco, muitas vezes não se sabe resgatada do quê. Esse papel inatingível e apenas possível de ser relatado romanticamente não sai disso, de algo que fica no mundo da fantasia.
O que acontece realmente é que aquele poema lindo de amor foi feito para essa mulher perfeita e imaginária que alguém projeta em você, pessoa de carne e osso normalmente ignorada nas suas necessidades. Sim, pois se você tem que dar conta da pessoa imaginária que o outro projeta em você, claro que essa tarefa não vai ser feita a altura do que se pede e, pronto, você passa a ser alguém que frustra os anseios românticos daquele que gosta de bradar em obras de arte o seu amor por. Não vou dizer por você, porque já vimos que a pessoa exaltada está apenas na imaginação daquele que diz.
Comigo aconteceu algumas vezes. De ter meus cachos, minha "inteligência", minha força ou sei lá mais que exaltada em textos ou outro veículo e ser tratada pela mesma pessoa como alguém ranzinza, antissocial ou simplesmente frígida. Não é nada reconfortante ver lá a sua versão imaginária sendo engrandecida e imortalizada em declarações apaixonadas, enquanto você, de carne e osso, sofre abuso verbal e é cobrada para que seja algo que está na imaginação do outro.
Deixemos assim, o que é imaginado, que seja irreal. Eu sou de carne e osso. Cheia de desejos e falhas. Dedicatórias são boas de receber, claro. Mas podem se tornar a lembrança eternizada das palavras brutas do cotidiano, se forem feitas para essa musa imaginária que tentaram encarnar na gente.
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