Cristiane

Ela foi minha colega no ensino fundamental, primeiro grau naquele tempo. Estudamos juntas da primeira a quarta série.
Eu era uma criança que brincava na rua, muito queimada de sol por isso, morena de cabelos cacheados e muito curtos, porque minha mãe os tinha cortado por causa dos piolhos que peguei assim que comecei a estudar naquela escola.
Ela, loirinha, de olhos claros, acho que mel, verdes, ou azuis, não me lembro. Sua pele muito branca, seu jeitinho muito delicado. Mas uma pessoa maldosa.
Minha mãe começou a dar aulas na mesma escola quando estava na segunda série e por isso os colegas começaram a falar de favoritismo, ou algo assim, porque eu tirava boas notas. Mas eu estudava muito, era o que me mantinha saudável numa família que me oprimia.
Um dia estávamos jogando algo e ficamos todos de mãos dadas no intervalo. Cristiane segurou a minha mão e disse muito alto: "que mãos grossas, parece um homem". Ela gostava de me deixar constrangida dizendo coisas assim. Falava das minhas roupas, do meu cabelo curto.

Na quinta série, saí da escola. Fiz o ensino médio numa escola mais longe. Com vinte anos passei num concurso público. Com vinte e quatro, comecei a faculdade e me mudei do bairro. Foi nessa época que encontrei Cristiane de novo, num ônibus, quando fui visitar minha família.
Ela se sentou do meu lado e me cumprimentou. Não a reconheci de pronto, demorou um tempo para eu lembrar quem ela era. Estava muito diferente. Seu cabelo opaco, com um corte estranho. Os dentes escuros. O rosto cansado. Me falou que trabalhava numa loja. Eu pensava que não havia uma sombra sequer daquela menina arrogante que foi na infância, que gostava de me humilhar. Achei triste.
Ela parecia constrangida diante de mim. Eu tentei ser atenciosa e educada, mas, de alguma forma, ela deve ter percebido meu espanto de vê-la daquele jeito, tão diferente. Não fiquei feliz, talvez ela tenha pensado nisso. Talvez ela tenha ficado ainda mais constrangida porque não fiquei feliz de vê-la numa situação pior que a minha (isso foi minha imaginação pensando o pensamento dela), vendo o meu "sucesso". O certo é que parecia que eu estava como ela imaginou que seria, mas não foi. Minha vida era muito difícil naquele tempo, mas o que eu via no rosto dela é que eu saí dali, fui para o centro, estava fazendo faculdade.
A casa dela ficava um ponto antes da dos meus pais. Ela se levantou para descer e se despediu. Não lembro se nos cumprimentamos com um beijinho, ou algo assim. Acho que foi de longe o tchau.
Foi a última vez que a vi.

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