Marshall Berman sobre Brasília

O autor do cultuadíssimo Tudo o que é sólido se desmancha no ar deu uma entrevista à Folha de S.Paulo já faz algum tempo falando sobre o desastre do projeto Brasília. Repassaram este texto para mim inúmeras vezes, mas hoje ele bateu bem forte, porque eu sou uma pessoa que precisa de espaço "onde as pessoas colidem". Leia e entenda. O trecho eu tirei daqui.

FOLHA – Ainda acha que Brasília é um mau exemplo de modernidade?
MARSHALL BERMAN - Com certeza. Quando ouvi falar pela primeira vez da cidade, pareceu-me que havia grande coisa lá. Mas os moradores viram que era um desastre levar a vida em uma cidade cujos segmentos não interagem. Se, ao sair do trabalho, você quisesse se reunir com alguém para tomar um café, precisaria tomar um ônibus para outra parte da cidade. Pareceu-me uma coisa perversa, pois, na maioria das vezes, as pessoas não acham que vale a pena. Brasília é construída de modo a evitar que as pessoas se encontrem. Perde-se muito do excitante, do especial da vida moderna. Ironicamente, a América Latina começa com algo como o modelo espanhol de urbanismo, as cidades construídas ao redor da “plaza mayor”. Em Brasília, Niemeyer [que organizou o concurso para escolha do Plano Piloto, vencido por Lucio Costa] não queria funis aonde todos confluíssem. É importante ver o que isso tem de antidemocrático

FOLHA – Projetos “extremos”, como o de Brasília, são uma coisa do século 20 ou ainda há demanda?
BERMAN – Será que Brasília era apropriada mesmo para os tempos de ontem? Só se você aceitar o modelo de Luís 14 em Versalhes, de o governo manter distância do povo. Luís 14 era um dos heróis de Le Corbusier. Para Niemeyer, seguidor de Le Corbusier e de Stálin, esse estilo de autocracia fazia sentido. Quando as pessoas exigem democracia (e cada vez mais povos fazem isso no mundo), querem o governo a seu alcance.

FOLHA – A Times Square é o melhor exemplo de modernidade?
BERMAN - Pelo menos um exemplo muito bom. Há outros, como a Picadilly, em Londres, e o que costumava ser a Potsdamer Platz, em Berlim -exceto porque esta foi destruída por bombardeios [na Segunda Guerra Mundial] e o que se construiu depois é muito mais parecido com Brasília. Um dos temas centrais das cidades do século 19 era a multidão. Uma forma de planejamento urbano e de teoria social foi tentar “descongestionar” as cidades ou, em vez de cidades, investir em subúrbios. Dissolver a multidão significa de certa forma separar as pessoas. Juntas, elas têm potencial de ação e de serem algo diferente do que eram; uma forma de controle é espalhar as pessoas. Poderíamos dizer que Brasília é a cidade de ontem, enquanto Curitiba [por seu sistema de transporte público] é a cidade de amanhã. Uma das coisas que amo na Times Square é que se trata de um espaço onde todos colidem. É uma das melhores coisas que podemos ter na modernidade -alguns dos problemas crônicos da modernidade são a automatização, a solidão.

Comentários

Postagens mais visitadas