Um pouco de música e cinema

Moro em Brasília há 6 anos, mas é comum eu me surpreender com personalidades da cidade desconhecidas por mim. Há cerca de um mês, assisti ao documentário Maestro Jorge Antunes - Polêmica e Modernidade. Jorge Antunes é professor da Faculdade de Música da UnB desde o período da ditadura militar, onde começou a fazer suas experiências com música eletro-acústica, ainda nos anos 60. Engajado politicamente, foi candidato a deputado distrital, além de compor o Hino Nacional Alternativo, que deveria substituir o oficial por meio de referendo popular. Na campanha pelas Diretas Já, compôs a Sinfonia de Buzinas, que foi executada num dos comícios da campanha em Brasília, com carros que tiveram suas buzinas catalogadas por uma inscrição popular conduzida por um jornal da cidade.
Na última sexta-feira, tive a oportunidade de ver uma apresentação sua ao vivo. Jorge Antunes Eletrônico e Sideral executaram as obras: Valsa Sideral (1962) – para fita magnética; Chalumia Sideral (2006) – para clarineta e computador; Miró Escuchó Miró (1998) – para piano, imagens e computador; Violinia Sideral (2005 – para violino e computador; e Polimaxixenia Sideral (2006) – para violino, clarineta, piano e computador. As composições são executadas e sintetizadas ao vivo, uma apresentação muito interessante, se não fosse o telão de fundo com um ET muito feio, que aparecia de vez em quando num céu cheio de estrelas e planetas. Isso empobreceu um tanto a obra, que é muito rica.
Assim mesmo eu recomendo uma experiência com Jorge Antunes àqueles que tiverem oportunidade.

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No domingo, fui assistir a Cleópatra, novo filme de Júlio Bressane, que ganhou o Festival de Cinema de Brasília no ano passado. Não pude assistir ao filme no festival, porque estava no Goiânia Noise, mas o vi no mesmo Cine Brasília, que está exibindo desde a última sexta.
Filmes do Bressane não são muito fáceis de assistir, cheios de referências herméticas, visuais, literárias ou musicais. Mas este filme, excepcionalmente, me pareceu didático, numa maneira Bressane de ser, claro. O filme trata das relações do Império Romano, que está prestes a abandonar a democracia para voltar a ser reino, com a rainha Cleópatra, do Egito. Mulher ilustrada, poliglota, é apegada à cultura ancestral de Alexandria, da qual é guardiã da biblioteca.
Achei um tanto brega, ou exagerada, a atuação de Alessandra Negrini, como protagonista, e de Miguel Falabella, como Júlio César. O elenco foi parecendo cada vez mais caricato, com o decorrer do filme. Bruno Garcia, como Marco Antonio, Lúcio Mauro, como um dos senadores, Taumaturgo Ferreira, como Augusto César.
Apesar disso, a história foi muito bem contada, o filme não foi cansativo. Uma surpresa.
Transcrevo abaixo texto sobre o filme publicado por Marcelo Coelho em seu blog, que expressa bem o que foram também minhas impressões:

Cleópatra, de Júlio Bressane

A atriz Alessandra Negrini seria passável no papel de uma normalista do Méier, mas imaginá-la como Cleópatra, como fez Júlio Bressane em seu mais recente filme, é no mínimo uma ousadia, e provavelmente um ato transgressivo. Só não é mais ousado e transgressivo do que colocar Miguel Falabella no papel de Júlio César.

Mas quando, entre os dois ou três senadores humilhados pelo conquistador da Gália, o espectador distingue um velho conhecido dos programas de Chico Anísio e Jô Soares –trata-se do excelente comediante Lúcio Mauro, coberto de toga, rímel e batom— está mais do que dado o sinal de que o filme “Cleópatra” repete o velho slogan da ditadura militar: ame-o ou deixe-o.

Não o amei, nem deixei de vê-lo. Sem dúvida, tudo no filme traz a aparência da paródia mais selvagem. Os palácios de Alexandria têm banheiras claramente inspiradas nos motéis da Barra da Tijuca. Alguns mármores sugerem a decoração do Palácio do Catete, e as palmeiras do Egito não gorjeiam como as de cá. Armam-se tendas e divãs entre as pedras da avenida Niemeyer, e tronos, piras, coxins, sofás e tapetes vieram com certeza de um saldão de móveis –só faltava aos cenógrafos terem levado o Brasilino de presente.

Dito assim, tudo poderia ser uma paródia das produções épicas de Cecil B. de Mille. Mas acontece que, se a aparência é paródica, o filme de Bressane não se apresenta como tal. Não há nenhum momento em que “pisque o olho” para o espectador, instando-o a não levar nada daquilo a sério. Tudo se desenrola com máxima seriedade.

Que concluir desse mistério? Vale a pena prestar atenção nos diálogos, soleníssimos, do filme, onde se misturam citações de Drummond, João Cabral, e não sei quantos poetas parnasianos.

Cleópatra foi acusada de “enfeitiçar” Marco Antônio (sei disso assistindo a série “Roma”), e sua história encena uma espécie de choque cultural. O conquistador romano é seduzido pelos prazeres e delírios de uma corte estranha, animalesca, refinada, irracional.

Não seria um caso de “antropofagia”, ou, se quisermos, de absorção do colonizador pelo colonizado? E, se se trata disso na interpretação que Bressane dá aos fatos da história romana, o seu filme dá um passo a mais nesse processo: toda a pretensão hollywoodiana de criar um Egito e uma Roma “reais” eram, no fundo, absurdos. E o absurdo de Miguel Falabella como César não é menor que o de Richard Burton no mesmo papel. Fazendo saltar aos olhos a brasileirice desses romanos e egípcios, Bressane não nos ridiculariza; ridiculariza, com solenidade ritual e egípcia, a nova Roma de George Bush.

Tudo isso não basta para recomendar o filme aos desavisados. Mas bastou para que eu não saísse uivando da sala nos primeiros minutos de projeção.

Um bom complemento para “Cleópatra” seria “Roma” , de Fellini, que finalmente saiu em DVD. Mas é assunto para depois”.

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