POR QUE SE METE, PORRA?

O grão-catatau de Peréio e os quebra-cabeças sem imagem

É o super-homem de Nietszche? Um romance? Um fabulário geral do hospício? As mitologias fragmentadas do discurso amoroso? Ficções de um hombre que vive sem medo da queda? Um gaveta de abismos? A arte do mal-dizer? Retrato do artista enquanto Campos Viejo? Assombrações para encorajar os covardes? Que porra é essa?, como ele mesmo diria, salivando o escárnio e a fome permanente de viver. Não adianta decifrar. Melhor jogar o taco sobre o pano cinza de la vida e pedir a conta.

“Só vale o escrito – delicadezas de Paulo César Peréio” é um quebra-cabeças para crianças passionais que sabem que na vida, como sempre disse o protagonista destas páginas para seus próprios filhos e os seus chegados, É CADA VEZ MENOS. Este livro é um homem gastando os ossos em intermináveis exercícios de nados no seco. Só os delicados e sensíveis... Porra, num explica, diria novamente ele, mirando a bola mais difícil. Mais uma ficha?

Tudo bem, só um rápido didatismo: tal livro-álbum é o Peréio fora de cena, fora da fita, fora da marcação escrota da tal arte, o artista cagando para a obra e vice-versa. O cara que escreve fábulas como quem joga sinuca na madrugada da Liberdade e da Augusta.

Uma biografia guardada como velhas fotos numa caixa de sapato dum armário edipiano perdido. E se dói, mais um uísque caubói!

“Peréio, eu te odeio”, como no título do filme do Allan Sieber, que vem por ai, que venga! Peréio, o amor e o ódio, nunca alguma coisa de intermédio, pilar da ponte do tédio entre um e o outro, como no poema que recita na noite, à beira dos buracos da existência, salve salve Sá-Carneiro! Merda no amor, azar na sinuca, cadê aquela linda moça?

E o cara perde a moça de vista, É CADA VEZ MENOS, garoto, e vai compondo tangos e assobiando desesperos na longa viagem ao fim da noite, assim como passarinho que caga sobre as folhinhas do calendário, agora a bola mais difícil, a bola escondida, viver é sinucar-se ao infinitum, foda-se.

Que venham os Turdos para o embate sobre o pano cinza da consciência, como na fábula pós-Calvino que Peréio escreve neste livro. Que venham as mulheres sem ossos, as lindas invertebradas de outra fábula deste volume que ora cresce em vossas mãos sujas. Giz no taco, bola em diagonal, raspando a bola inimiga!

E quando chegou o catatau do Peréio na editora, aquela epopéia avulsa, coisa de um Homero que gamou mas também tirou onda com sereias ullyssianas, um carregamento de achados e perdidos, cartas, cartões, conteiners de amores e dolores, cantos malditos de guardanapos e vômitos, olhamos assim um para o outro, os nobres editores dessa saga, e dissemos, com inocentes balõezinhos crumbianos: “Fudeu!” Como é que vamos fazer desse caminhão de mudança um livro?

“Foi como montar um quebra cabeça sem imagem pra copiar - olhar, sei lá...”, diz Pinky Wainer, a autora da façanha de fazer dos guardados desse grande homem um grande livro. Sem essa de o homem, o mito, a lenda viva. Peréio tira onda também disso tudo. Nós bebemos, não temos esses problemas de nos autoesculhambarmos sob o o mesmo teto da taberna. Mas pelo menos que tenha uma sinuca. Pra gente nos entretrer com os buracos da existência. Garçon!, o uísque e o seu duplo, como sempre, muito gelo, muito gelo, copo longo, mas sem metáforas, faz favor!

Xico Sá
Sinuca do Pescador, Baixo Augusta, San Pablo de Piratininga, primaveira de 1933


publicado originalmente em carapuceiro.zip.net, blog do Xico Sá, e introdução do livro Por que se mete, porra? - delicadezas de Paulo César Peréio, presente maravilhoso que ganhei de um amigo no natal.

Comentários

Postagens mais visitadas