Cura

ouvindo Healing, de Yoko Ono
(ouve também, só clicar play lá embaixo)

O processo lento e gradual de curar velhas feridas se mistura com o processo de tentar começar a cicatrizar as novas. Lidar com a impossibilidade de ficar sem se machucar é o que paralisa e bloqueia e trava e parece que mata cada dia um pouco a possibilidade de estar livre das dores. Chegue ao final da sentença e volte ao começo tantas vezes que já saiba de cor, nesse pensamento obsessivo que controla cada passo.
Respira.
Nova ferida se junta às antigas. Uma casquinha de uma que já tinha começado a cicatrizar é arrancada com violência.
Chora sozinha na insônia.
Tem a criança pequena cheia de vida te olhando e cuja vida você não quer ferrar com suas dores. Toda a energia sendo gasta para que essa pequena vida não cresça amargurada culpando o mundo todo porque sua mãe não conseguiu dar a atenção que ela precisava. Precisa. Eu sei. Estou esgotada, mas porque não há adultos que amparem a mim para que eu possa amparar o novo.
Respira.
Tira tudo da vida de novo. TODO MUNDO. Deixa só quem cuida. De si também. E que olhe sem julgar. E que goste de mim, porque a gente sabe quando gosta e quando só quer que você o deixe se sentir melhor consigo mesmo. Sou gente e preciso ser vista.
Sou vista.
A doença que domina a mente é aquela em que olhamos para o lado e vemos a pernada que vem a seguir daquele que está perto de você. Aquele que "te dá a mão só pra empurrar". É preciso solidez, um foco de estabilidade pra conseguir sair da correnteza. Sabe a certeza? Tem gente que consegue ser a certeza. Não precisa nem estar presente todo dia, ou todo mês, ou todo ano. Precisa saber que existe e que se falar, vai ouvir, vai abraçar. Mesmo que não concorde.
Às vezes essa pessoa-certeza tem dor também, como todo mundo, e é preciso entender sua dor quando te machuca e depois volte a ser certeza de novo. Tem vez que não volta, mas foi bom enquanto foi.
Confiar é difícil.
Mas eu insisto. Dói mil vezes. A vez que não dói compensa tudo.
É assim pra continuar existindo.
E tem aqueles momentos. Tomar café com a amiga-irmã rapidinho dividindo emoções acumuladas no tempo que não nos vimos e chorarmos juntas no meio de uma feira. Encontrar o poeta que diz que "você é poesia", quando você diz que não está conseguindo escrever. Ficar uma tarde no colo dos amigos que já tem tantos pequenos nos próprios colos e se sentir amparada.
Vai curando. Uma casquinha por vez. 


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