Eu também
Quando o assédio volta a ser tema em destaque, desta vez em ambiente de trabalho, eu penso no quanto sempre foi sofrido para mim estar em ambientes profissionais.
Meu primeiro trabalho foi em comércio do meu pai e foi uma experiência bem traumática por muitos motivos. Meu primeiro emprego, vamos denominar de maneira diferente agora, foi concursada, eu tinha vinte anos e era completamente caipira. Uma pessoa que nasceu numa favela de São Paulo e foi na Paulista pela primeira vez para assumir a vaga para a qual fui selecionada.
Era um ambiente complicado, todo mundo trabalhava na empresa há pelo menos dez anos, no setor que eu fui designada, e todo mundo tinha amantes. Eu comecei a receber presentes de um chefe do meu chefe, que sempre tinha uns comentários abusados que me constrangiam demais. Acho que essa foi minha primeira experiência com assédio desse tipo.
Mas acho que a experiência mais dolorosa foi quando relações de afeto invadiram minha capacidade profissional numa situação que acabou mas não encerrou seus efeitos.
Certa vez, eu me apaixonei numa viagem de férias. E a coisa foi tão intensa para mim, que saí de São Paulo e decidi mudar tudo. Claro que não foi "só" por isso, mas foi um grande impulso. O rapaz por quem me apaixonei estava no meio de um triângulo amoroso bem tóxico e eu, com a aquele complexo de madre teresa que as mulheres são educadas a ter, achei que ia conseguir ajudar o cara a sair daquilo e que não me afetaria. Bem, estou aqui sofrendo as consequências ainda, quinze anos depois.
O rapaz namorava uma moça, a moça começou a sair com o "melhor amigo" do rapaz, mesmo não vivendo uma relação aberta. O rapaz "decidiu" romper a relação amorosa, mas não a afetiva e virou o companheiro constante do novo casal composto agora pela moça e pelo melhor amigo. Daí eu apareci e interferi na dinâmica toda.
A moça me maltratava todo o tempo, gostava de deixar claro que tinha uma história com o rapaz, com quem eu começava a me relacionar, e o melhor amigo insistia em fazer insinuações sexuais todo o tempo, "era de brincadeira, menina". A coisa foi tomando proporções assombrosas, depois que me mudei para a cidade deles. As amigas da moça amplificavam em todos os lugares que eu ia que ela, a moça, tinha uma história com o rapaz, ficavam lembrando detalhes de festas, viagens e todas aquelas coisas das quais eu não participei. Os homens se divertiam com a briga das mulheres. Hoje percebo que o rapaz queria mesmo que a gente rivalizasse para inflar seu ego (mesmo ele dizendo e talvez até pensando que não). Eu me recusei a virar a namorada ciumenta, que é o destino esperado para mulheres nessa situação, e, como era o objetivo, ia ficando cada vez mais deslocada.
Eu, recém formada em jornalismo, com alguns cursos de cinema, achei que estaria entre amigos e poderia atuar na área. Um produtor local me chamou para um trabalho amador que poderia ser profissionalizado, mas o grupo de amigos que envolvia o triângulo amoroso declarou no meio da primeira reunião de produção que era melhor que o projeto fosse desenvolvido apenas "pelos de sempre". Eu de fora. Ninguém disse nada para me recolocar na roda, nem meu "parceiro", reflito hoje, pois ele poderia ter feito algo.
Me isolei, entrei num processo depressivo brabo, com crises de pânico e sono constante. Estava sozinha, numa cidade distante, sem dinheiro e tinha passado por uma situação bem traumática pouco antes de me mudar. Começaram a me chamar de antissocial. O "melhor amigo" disse que eu não gosto de ninguém. Um belo dia, eu surtei. Comecei a chorar sem parar e desisti. Não comia, não saía de casa, só bebia e tomava calmantes naturais. O namorado resolveu que tínhamos que sair de lá e saímos.
Mas a nova cidade foi se enchendo também daqueles personagens, que foram se mudando gradualmente para ela ou visitando com frequência. Nessa altura meu complexo de madre teresa já tinha se esvaído a tempos e eu não mais queria salvar ninguém daquelas relações, só queria me manter longe. Só que demorei muito para entender que manter longe seria romper todos os vínculos, inclusive a relação em que me apeguei e que ia me apagando pouco a pouco.
Fui impedida de fazer o projeto naquela cidade e isso foi só o começo. Passei anos como a sombra de "um escritor". Estudei anos para trabalhar com vídeo e cinema e me frustrei e desisti, grande parte por essa história. Mudei o foco, comecei a investir na minha estética amadora, que gosto tanto, começo ocupar meu próprio espaço no mundo, mas cada vez que vejo cenas de sucesso dessas pessoas, algo em mim diz que sou um fracasso, que podia mais se não fosse assim como eu sou. Olha, o discurso do assédio impregna a gente e precisamos olhar para ele bem atentamente para não sermos arrastadas para o abismo.
Essa semana quase paralisei de novo, foram muitas vezes nessa vida, porque alguém citou uma dessas pessoas num post que eu tinha comentado numa rede social. Uma fragilidade qualquer me bateu nesse dia e aquilo foi a puxada pro poço escuro (como a Laura bem descreveu aqui). Ver tantas mulheres postando #eutambém ou #metoo, para dizer que foram vítimas de assédio em trabalhos me fez entender com mais clareza o que é que me abala tanto nesses momentos. A vergonha e a culpa que acomete alguém vítima de assédio. Por isso é importante falar sobre, não se trata apenas de mudar o comportamento dos homens. Então é isso: EU TAMBÉM.
Meu primeiro trabalho foi em comércio do meu pai e foi uma experiência bem traumática por muitos motivos. Meu primeiro emprego, vamos denominar de maneira diferente agora, foi concursada, eu tinha vinte anos e era completamente caipira. Uma pessoa que nasceu numa favela de São Paulo e foi na Paulista pela primeira vez para assumir a vaga para a qual fui selecionada.
Era um ambiente complicado, todo mundo trabalhava na empresa há pelo menos dez anos, no setor que eu fui designada, e todo mundo tinha amantes. Eu comecei a receber presentes de um chefe do meu chefe, que sempre tinha uns comentários abusados que me constrangiam demais. Acho que essa foi minha primeira experiência com assédio desse tipo.
Mas acho que a experiência mais dolorosa foi quando relações de afeto invadiram minha capacidade profissional numa situação que acabou mas não encerrou seus efeitos.
Certa vez, eu me apaixonei numa viagem de férias. E a coisa foi tão intensa para mim, que saí de São Paulo e decidi mudar tudo. Claro que não foi "só" por isso, mas foi um grande impulso. O rapaz por quem me apaixonei estava no meio de um triângulo amoroso bem tóxico e eu, com a aquele complexo de madre teresa que as mulheres são educadas a ter, achei que ia conseguir ajudar o cara a sair daquilo e que não me afetaria. Bem, estou aqui sofrendo as consequências ainda, quinze anos depois.
O rapaz namorava uma moça, a moça começou a sair com o "melhor amigo" do rapaz, mesmo não vivendo uma relação aberta. O rapaz "decidiu" romper a relação amorosa, mas não a afetiva e virou o companheiro constante do novo casal composto agora pela moça e pelo melhor amigo. Daí eu apareci e interferi na dinâmica toda.
A moça me maltratava todo o tempo, gostava de deixar claro que tinha uma história com o rapaz, com quem eu começava a me relacionar, e o melhor amigo insistia em fazer insinuações sexuais todo o tempo, "era de brincadeira, menina". A coisa foi tomando proporções assombrosas, depois que me mudei para a cidade deles. As amigas da moça amplificavam em todos os lugares que eu ia que ela, a moça, tinha uma história com o rapaz, ficavam lembrando detalhes de festas, viagens e todas aquelas coisas das quais eu não participei. Os homens se divertiam com a briga das mulheres. Hoje percebo que o rapaz queria mesmo que a gente rivalizasse para inflar seu ego (mesmo ele dizendo e talvez até pensando que não). Eu me recusei a virar a namorada ciumenta, que é o destino esperado para mulheres nessa situação, e, como era o objetivo, ia ficando cada vez mais deslocada.
Eu, recém formada em jornalismo, com alguns cursos de cinema, achei que estaria entre amigos e poderia atuar na área. Um produtor local me chamou para um trabalho amador que poderia ser profissionalizado, mas o grupo de amigos que envolvia o triângulo amoroso declarou no meio da primeira reunião de produção que era melhor que o projeto fosse desenvolvido apenas "pelos de sempre". Eu de fora. Ninguém disse nada para me recolocar na roda, nem meu "parceiro", reflito hoje, pois ele poderia ter feito algo.
Me isolei, entrei num processo depressivo brabo, com crises de pânico e sono constante. Estava sozinha, numa cidade distante, sem dinheiro e tinha passado por uma situação bem traumática pouco antes de me mudar. Começaram a me chamar de antissocial. O "melhor amigo" disse que eu não gosto de ninguém. Um belo dia, eu surtei. Comecei a chorar sem parar e desisti. Não comia, não saía de casa, só bebia e tomava calmantes naturais. O namorado resolveu que tínhamos que sair de lá e saímos.
Mas a nova cidade foi se enchendo também daqueles personagens, que foram se mudando gradualmente para ela ou visitando com frequência. Nessa altura meu complexo de madre teresa já tinha se esvaído a tempos e eu não mais queria salvar ninguém daquelas relações, só queria me manter longe. Só que demorei muito para entender que manter longe seria romper todos os vínculos, inclusive a relação em que me apeguei e que ia me apagando pouco a pouco.
Fui impedida de fazer o projeto naquela cidade e isso foi só o começo. Passei anos como a sombra de "um escritor". Estudei anos para trabalhar com vídeo e cinema e me frustrei e desisti, grande parte por essa história. Mudei o foco, comecei a investir na minha estética amadora, que gosto tanto, começo ocupar meu próprio espaço no mundo, mas cada vez que vejo cenas de sucesso dessas pessoas, algo em mim diz que sou um fracasso, que podia mais se não fosse assim como eu sou. Olha, o discurso do assédio impregna a gente e precisamos olhar para ele bem atentamente para não sermos arrastadas para o abismo.
Essa semana quase paralisei de novo, foram muitas vezes nessa vida, porque alguém citou uma dessas pessoas num post que eu tinha comentado numa rede social. Uma fragilidade qualquer me bateu nesse dia e aquilo foi a puxada pro poço escuro (como a Laura bem descreveu aqui). Ver tantas mulheres postando #eutambém ou #metoo, para dizer que foram vítimas de assédio em trabalhos me fez entender com mais clareza o que é que me abala tanto nesses momentos. A vergonha e a culpa que acomete alguém vítima de assédio. Por isso é importante falar sobre, não se trata apenas de mudar o comportamento dos homens. Então é isso: EU TAMBÉM.
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