Meu sonho é casar

(texto resgatado dum caderno antigo, meio bobo, mas publico mesmo assim)


Meu sonho é casar


“Solidão, dá um tempo e vá saindo, de repente eu tô sentindo, que você vai se dar mal.
Solidão, meu amor está voltando, daqui a pouco está chegando me abraçando todo meu. Meu, meu…
A solidão é nada, você vem na hora errada, em que eu não te quero aqui.
Que solidão, que nada, eu preciso é ser amada, eu preciso é ser feliz”

Solidão, de Sandra de Sá


“Sabe, meu sonho mesmo é me casar”, dizia ela à mãe. E a mãe respondia sempre que, se seu sonho era mesmo esse, tinha que namorar outra pessoa. “Esse menino não quer nada sério com você, minha filha”, repetia toda vez que a filha tocava no assunto.

Ela planejava tudo, a festa, a lista de convidados. Olhava nas revistas os vestidos que poderiam ser usados por ela. “Esse decote ficaria bem em mim”, “essa maquiagem seria perfeita para um casamento feito pela manhã”. Foram muitos anos a pensar no assunto e o namorado nada de pedir a mão.

Viviam uma vida agitada, os dois, eram os tempos da faculdade. Festas todos os fins de semana e viagens. Muita gente sempre, o que disfarçava, pelo menos para ela, a falta de interesse do namorado. Falar de casamento com ele, nem pensar.

Como conviviam com muitas pessoas, ela e o namorado, acabou surgindo uma parceria típica, um outro casal passou a ser companhia constante dos dois. João e Maria eram casados e viviam numa casa grande, com muitos outros habitantes, entre eles, o seu namorado.

Com alguma frequência, depois de uma balada ou algo do gênero, ela voltava para casa e ficava olhando seu baú secreto, aquele que a mãe ajudava a arrumar com tudo que é imprescindível para uma mocinha que acaba de se casar. Sua última aquisição tinha sido a camisola para a lua de mel. Linda, branca, cheia de babados e bordados, que tinha um penhoar de seda que era absolutamente um sonho.

Nestas noites ela se trancava no quarto e planejava cada detalhe da cerimônia, que ia causar inveja a todos os daquela cidadezinha tão provinciana. “Bem-casados, sim, não poderão faltar no buffet”. “Flores brancas num jardim muito bem arrumado”. O casamento seria numa manhã e ao ar livre. “No mês das noivas é muito incomum chover por aqui”. Tudo seria perfeito.

Algum tempo se passou e os casais se tornaram companhia inseparável nos eventos sociais. Ela gostava daquilo tudo, mas começou a perceber que o namorado não iria se casar com ela, não agora. Não sabia porque sentia isso. Uma impressão forte. Talvez ligada à opção que fizeram de ter um relacionamento aberto. Apesar disso, sua certeza de que ele estaria sempre disponível para ela era inabalável.

Muitas pessoas passaram pela vida dos dois. No começo não era algo exposto, que todo mundo soubesse, mas como moravam numa cidade muito pequena, logo um fuxico sobre o assunto começou a ficar recorrente no lugar. Ela experimentou bastante essa vida cheia de liberdade. Entre as muitas pessoas que passaram por sua vida, João, marido de Maria.

Em pouco tempo ela conseguiu assumir o lugar da amiga casada, começando um relacionamento com o ex-amigo de uma maneira meio catastrófica. Fez com que o casamento fosse rompido e ainda tentou continuar com o namorado, enquanto se esforçava para assumir o papel de esposa deixado vago. “Nós três, isso é muito melhor do que eu esperava. Sempre haverá um dos dois para me fazer companhia”.

Morria de medo da solidão. Talvez por isso a obsessão pelo casamento, o meio mais tradicional de se amarrar a alguém. Ela nunca entendeu as pessoas que desistiam de relacionamentos por bobagens como traição, ou falta de carinho e cuidado. “Como é possível não ter um namorado. Isso é o fracasso!”.

Ela acreditava ser a dona do pedaço, fazendo crer que tinha o novo companheiro sob rédea curta. Um grande esforço, que se manifestava no discurso fluente, para quem quer que se aproximasse dela, de que o casamento, que agora seria com João, aconteceria logo. Foram meses planejando e falando para todos que agora sim, casaria, que já estava tudo pronto para a cerimônia. Faltava apenas marcar a data. Chegou até a comprar uma cama de casal para os dois, com a justificativa de que a cama antiga do namorado estava muito velha e não era confortável.

Era um ensaio para a vida dois. Acreditava estar no controle da situação e João sabia disso. Ela já pensava na casa que iriam alugar para morarem juntos. “Sim, minha filha, acho que agora você se acertou de vez”, a mãe dizia contente, ao ver que a filha, enfim, iria realizar o seu sonho.

Nesta época ela dava conselhos para a melhor amiga de como conquistar e amarrar um homem. A amiga precisava mesmo de sua ajuda para conquistar o rapaz que tanto desejava e que tanto a desprezava. Explicava como a amiga deveria agir, pois agora já estava com o casamento garantido e podia se dizer uma pessoa experiente o bastante para passar os seus conhecimentos no assunto.

Se sentia cada vez mais perto de realizar o seu sonho, sempre cobrando do novo namorado a chegada do grande dia. O tempo foi passando e seus planos ficando cada vez mais concretos.




Algum tempo depois, Maria, a ex-companheira de João, casou-se.

Seu ex-namorado está morando com a nova namorada em outra cidade.

Seguindo seus conselhos, sua melhor amiga acabou conquistando o rapaz que tanto desejava e estão morando juntos, num casamento perfeito.

Meia década já se passou. A cama comprada para João já foi desmontada umas tantas vezes, depois de servir de cenário para casais que não contavam com sua presença. Mas ela não desiste nunca e continua a folhear com a mãe sua coleção de revistas para noivas. E seu enxoval está prontinho.

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